Dia Internacional da Mulher
Detenta em regime semiaberto tenta refazer a vida como costureira
Diante da máquina que ganhou de presente do marido, Maria costura seu destino: conquistar sua liberdade através do trabalho
Fotos: Fernando Rascado
A cada ponto cosido, um pedacinho do passado vai ficando para trás.
Sentimento que norteia a vida de Maria (nome fictício). O olhar pela janela sem grades da casa alugada no loteamento Dunas, Zona Leste de Pelotas, dura apenas 12 horas por dia. Mas o tempo é fundamental para a mulher de 46 anos, mãe, avó e detenta, sentir-se de alma leve. Leve e livre. A paisagem é a garantia de um futuro melhor, enquanto cumpre seu dever com a Justiça e com a sociedade. Diante da máquina que ganhou de presente do marido, Maria costura seu destino: conquistar sua liberdade através do trabalho, como toda mulher.
Para a sociedade, citar uma detenta pode não ser um exemplo de luta e de conquistas do sexo feminino. Mas Maria pode ser, neste caso, a figura do gênero que mais guerreia com um inimigo invisível: o preconceito. Embora ela afirme: “Nunca fui apontada na rua como a detenta”.
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Falar do passado ainda é muito dolorido. Neste momento, o silêncio prevalece e os olhos de Maria ficam marejados. O crime - considerado por ela “fatalidade” -, é admitido. O erro e o arrependimento também. Condenada a mais de 70 anos de prisão por homicídio, cumpre sua sentença com cabeça erguida e, pode sim, ser considerada uma vencedora.
Depois de longos nove anos e quatro meses sem tirar o pé de dentro do Presídio Regional de Pelotas (PRP), o bom comportamento e o trabalho diário garantiram o benefício - há um ano e seis meses - de passar o dia fora da casa prisional. E por vezes, como no fim de semana passado, três dias perto da família.
Ela ainda tem mais dois anos de pernoites no PRP. “Só em saber que ao acordar vou para minha casa para costurar me dá força.” Trabalho não falta. A prova está no caderno com as anotações de encomendas. “Eu costuro para as agentes [penitenciárias], para as detentas, para minhas clientes e também para a FAU [Hospital-Escola da UFPel]”, diz com orgulho.
Momento de dificuldades
Para chegar ao regime semiaberto, Maria revelou à reportagem os tempos difíceis que enfrentou durante a reclusão. Ela confessa que são poucas as chances oferecidas para se ressocializar. “Quando se abre uma porta, a gente agarra com as duas mãos.” E foi o que ela fez. Sem nunca ter enfiado uma linha no buraco da agulha, em 2003 fez seu primeiro curso de costura, seguindo os passos da mãe e da avó. Depois vieram os de culinária e artesanato. Maria não recusava nada.
Mas nem todas as colegas seguem o mesmo caminho. “São poucas as que querem mudar. Acho que a falta de visitas e a cabeça fraca impedem elas de buscarem um rumo”, observa.
Quando a tentativa de mudança é nítida, a costureira diz que é possível ganhar credibilidade dos agentes. “Eu nunca tive uma recaída”, garante. A ajuda foi em forma de terapia: o ofício da costura, principalmente nas horas de solidão. “O mais difícil foi ter perdido a convivência com meu pai, que já é falecido.” As conversas com assistentes sociais, voluntárias e as agentes penitenciárias ocupavam o tempo da detenta. Era a compensação no tempo em que estava reclusa.
À espera de realizar o sonho de trabalhar, ter o próprio sustento e reconstruir a vida, a costureira prepara almofadas, fronhas, conjuntos para cozinha, cortinas e até roupas customizadas. Ela mostra as suas obras com orgulho e aponta para a placa cor-de-rosa - seu cartão de apresentação: “Costuras e reparos em geral” - com seu nome abaixo, em vermelho. A reintegração social acompanha a reaproximação com a família. “Agora mesmo estou preparando roupinhas para meus dois sobrinhos”, contenta-se.
Para as mulheres que estão na mesma situação - atualmente são 48 em Pelotas - que um dia Maria esteve, ela aproveita a deixa do Dia Internacional da Mulher: “Nem tudo é difícil. Se valorizem como mulher, como mãe. Sempre com a cabeça erguida.”
Apoio necessário
Um braço forte e amigo que a costureira encontrou no PRP foi da assistente social Mayra Soares dos Santos Girardi.
Além de indicar fregueses, as palavras encorajadoras foram fundamentais para a autoestima da detenta. “O bom é que existem outros exemplos como o de Maria. As mulheres são mais determinadas e saem daqui (Presídio) trabalhando como costureiras, empregadas e manicures”, diz a servidora.
Mas nem todas as estatísticas são positivas. A maioria das reincidências femininas, segundo Mayra, é por tráfico de drogas. No Rio Grande do Sul, a população carcerária feminina soma 1.906 mulheres. Estudo apontou que em 2014 o Brasil tinha 37.380 pessoas do sexo feminino atrás das grades.
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